Uma nação que confia em seus direitos, em vez de confiar em seus soldados, engana-se a si mesma e prepara a sua própria queda."Rui Barbosa.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

CONCEPÇÕES DA CONSTITUIÇÃO



Concepções (fundamentos):
1)              Sociológica (F. Lassale);
2)              Política (C. Schmitt);
3)              Jurídica (Hans Kelsen) – positivismo jurídico “civil law”
4)              Normativa (Konrad Hesse);
5)              Culturalista (Meireles Teixeira) – menciona a teoria, mas não o criador.
a)              Concepção sociológica (Ferdinand Lassale – 1868): ele escreveu o livro chamado “o que é constituição”. Segundo ele a constituição não é uma folha de papel, e sim a soma dos fatores reais de poder que emanam da população. As questões constitucionais são questões de poder e não de direito. Ele diferencia a constituição escrita/jurídica da real/efetiva. Constituição real é a soma dos fatores reais de poder que regem determinada nação. Nesta concepção, havendo conflitos entre a constituição real e a escrita, a primeira permanece. “se a constituição escrita não condiz com a constituição real, ela não passa de uma folha de papel”, por não ter o poder de mudar a realidade, sendo assim, insignificante. É preciso distinguir a constituição real/efetiva da constituição escrita. A constituição real é a soma dos fatores reais de poder que regem uma determinada nação. Desta forma a escrita só tem validade se corresponder a real, daí porque a real se sobrepõe à escrita (mera folha de papel);
b)             Concepção política (Carl Schmidt – 1929): o fundamento da constituição está na decisão política que antecede a elaboração. Ele distingue constituição de leis constitucionais, que são formalmente iguais, mas materialmente distintas da constituição propriamente dita. Constituição é apenas aquilo que decorre de uma decisão política fundamental tomada pelo povo, isto é, o fundamento da CF (atos fundamentais, estrutura do Estado e divisão de poderes). Estes assuntos também são chamados de matérias constitucionais. O restante são leis constitucionais que não decorrem de uma decisão política fundamental (relaciona-se com o conceito formal de Constituição). Assim, são formalmente iguais, mas materialmente distintas. Grande teórico do nazismo. As matérias constitucionais compreendem os direitos e garantias fundamentais, estruturação do Estado e organização dos poderes. As leis constitucionais são as chamadas normas formalmente constitucionais (art. 242 CF).
OBS.: Para o controle de constitucionalidade o que importa é se a norma é formalmente constitucional, não importando se constitui material constitucional.
c)             Concepção jurídica (Hans Kelsen – após a 2ª GGM)**: o fundamento da constituição não está na sociologia, nem na política, mas sim no direito. Por ser a constituição como uma lei, seu fundamento é jurídico e não sociológico ou político. Ele faz uma distinção dos sentidos da constituição:
a)                          Constituição em sentido lógico-jurídico (pressuposta): o fundamento da constituição em sentido lógico-jurídico é a norma fundamental hipotética. É fundamental, pois serve de fundamento para a constituição posta e é hipotética porque é norma pressuposta, ou seja, não é posta pelo Estado, não está no ordenamento, ela é fruto de uma convenção social. Segundo esse sentido, acima da CF há uma norma fundamental hipotética não escrita e cujo único mandamento é “obedeça a constituição”.
b)                          Constituição em sentido jurídico-positivo (posta): aquela constituição que é posta pelo Estado e encontra-se no topo da pirâmide normativa. Segundo ele, a constituição é a lei mais importante de todo o ordenamento jurídico. Ele também diz que a CF é o pressuposto de validade de todo o ordenamento jurídico (significa que para que uma lei seja válida, precisa ser compatível com a CF).
Hans Kelsen é o criador da famosa pirâmide hierárquica à temos no topo da pirâmide a CF (bem como o tratado internacional sobre direitos humanos referidos abaixo no item 2); logo abaixo nós temos os tratados internacionais; mais abaixo temos as leis (complementares, ordinárias, delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções); por ultimo temos as leis infraconstitucionais.
Incorporação dos tratados internacionais no direito brasileiro: primeira coisa feita é a assinatura do tratado (art. 84, VIII) pelo presidente da república; o segundo ato é o referendo do Congresso Nacional (art. 84, VIII e art. 49, I, CF) – referendo esse feito por meio de decreto legislativo; o terceiro ato é o decreto presidencial.
Os tratados ingressam no direito brasileiro com qual hierarquia? Existem 3 respostas possíveis:
1.               Via de regra, ingressam com força de lei ordinária (posição do STF).
2.               Os tratados internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados pelo Congresso Nacional nas duas casas, em 2 turnos, e com 3/5 de seus membros, ingressam no direito brasileiro com força de emenda constitucional (art. 5ª, §3ª, CF).
3.               Os tratados internacionais sobre direitos humanos que não forem aprovados pelo CN com o procedimento do art. 5ª, §3ª, CF, ingressarão no direito brasileiro como norma infraconstitucional (abaixo da constituição) e supralegal (acima das leis). Ex.: Convenção americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica).
OBS: Segundo o STF, lei complementar e lei ordinária têm a mesma hierarquia.
Esta concepção trouxe o caráter vinculante da Constituição. É a que prevalece hoje. A Constituição é o conjunto de normas como as demais leis, ou seja, ela encontra o seu fundamento no Direito e não na Sociologia ou na Política. Porém, suprema (norma pura – puro dever-ser).
  A constituição em sentido lógico-jurídico e constituição em sentido jurídico-positivo. No primeiro sentido é a norma fundamental hipotética, porque é o fundamento da Constituição. No segundo sentido, que por sua vez, é a Constituição escrita, pois é uma pressuposição hipotética (todos devem cumprir a Constituição). Deve-se pressupor a existência da norma fundamental para o cumprimento da Constituição.
  Ainda, corroborando Konrad Hesse acrescenta outra teoria (1959) contraposta à Lassalle (antítese). É o princípio da forma normativa (ex: relativização da coisa julgada). Os efeitos dos motivos determinantes são vinculantes.
  Apesar de muitas vezes sucumbir à realidade, a Constituição possui um força normativa capaz de conformar esta mesma realidade, basta que para isso exista “vontade de Constituição” e não apenas “vontade de poder”.
D) Concepção Normativa (Konrad Hesse): foi feita como antítese a tese de Lassale (sociológica). Ainda que em alguns casos a constituição escrita acabe por sucumbir diante da realidade, em outros ela possui uma força normativa capaz de modificar esta realidade. Para isto, basta que exista uma “vontade de constituição” e não apenas uma “vontade de poder”. 
E) Concepção culturalista (José Afonso da Silva e Meirelles Teixeira): a constituição tem aspecto sociológico, político e jurídico, ou seja, ela reúne todas as concepções anteriores em uma só, visto que não são antagônicas, mas complementares. Ou seja, vista a constituição de vários ângulos, remete ao conceito de Constituição total, que é aquela que não só estabelece normas sobre os poderes, mas sobre todos os aspectos da vida social, reunindo todas as demais concepções. Segundo eles a constituição é fruto da cultura de um país.  O que faz pensando que existe um aspecto sociológico, político e jurídico. Canotilho diz que a Constituição é o estatuto jurídico do fenômeno político. São complementares e não antagônicas.
  É assim chamada porque a Constituição é condicionada por uma determinada cultura e ao mesmo tempo é um elemento condicionante desta cultura.

ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO
  Elementos orgânicos: organizam a estrutura do Estado. Ex.: art. 2ª, 18 e 92 da CF
  Elementos limitativos: são aqueles que limitam o exercício do poder do Estado, fixando direitos á população. Ex.: art. 5ª da CF (todos os incisos são exemplos, porém um muito importante para a PF é o inciso XI)
Elementos sócio-ideológicos: são aqueles que fixam uma ideologia estatal. Ex.: art. 3ª, art. 170, da CF.
Elementos de estabilização constitucional: são aqueles que buscam a estabilidade em caso de tumulto institucional. Ex.: intervenção federal (art. 34, CF), estado de sítio (art. 137, CF) e estado de defesa (art. 136, CF). OBS: o mais grave é o estado de sítio!

domingo, 9 de dezembro de 2012

A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E A PROMOÇÃO DA CIDADANIA BRASILEIRA




GEORGE SARMENTO
Professor Associado da UFAL/FDA
Doutor em Direito Público
Pesquisador do Laboratório de Direitos Humanos/UFAL
Promotor de Justiça – Fazenda Pública Estadual


Sumário: 1. Introdução: o despertar do sujeito de direitos. 2. Supraestatalização da Educação em Direitos Humanos. 3. Educação em Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro. 4. Os Desafios da Educação em Direitos Humanos. Para concluir: apreensão e interpretação dos direitos humanos.


1. INTRODUÇÃO: O DESPERTAR DO SUJEITO DE DIREITOS

2012 termina com a divulgação de pesquisa encomendada pela consultoria britânica Economist Intelligence Unit (EIU), que coloca o Brasil no penúltimo lugar do ranking global de qualidade da educação. O ano começou com o Relatório da Anistia Internacional que apontou os preocupantes índices de execuções e torturas praticadas por policiais brasileiros, cujos crimes permanecem impunes. Entre 176 países investigados, o Brasil ocupa a 69ª posição no ranking elaborado pela Transparência Internacional no índice de Percepção da Corrupção em 2012[1].  A violência também é preocupante. A última pesquisa da Fundação Perseu Abramo/SESC demonstrou que, a cada 5 minutos, 2 mulheres são vítimas de agressões físicas, na maioria das vezes em sua própria residência. Segundo dados divulgados pelo Grupo Gay da Bahia, o Brasil é o país mais homofóbico do Planeta, dado o expressivo aumento de homicídios e agressões decorrentes da condição social das vítimas.
Os dados estatísticos são contundentes: as leis brasileiras não têm conseguido diminuir os índices de corrupção e violência. Duas constatações explicam esse fenômeno. De um lado, o Brasil tem se mostrado incapaz de implantar, de forma eficiente, os direitos sociais previstos na Constituição Federal. De outro, a defesa social tem fracassado, tanto na repressão como na prevenção à criminalidade. O que é mais paradoxal é que tudo isso ocorre no país que foi alçado a 6ª maior economia do mundo no ranking do banco alemão WestLB. Em outras palavras, somos uma nação rica, mas ostentamos índices de países com baixo desenvolvimento social.
A cidadania brasileira passa por uma crise sem precedentes, que decorre da decepcionante efetividade dos direitos fundamentais. A principal consequência disso é a descrença nas instituições democráticas, o retorno ao individualismo egoístico do “cada um por si”, o sentimento de impotência diante do abuso de poder e, sobretudo, a falta de ativismo político para reivindicar o cumprimento dos deveres estatais.
A sociedade civil deposita grandes expectativas no Judiciário, que tem desenvolvido um discurso concretizador da Constituição e conseguido expressivos avanços na chamada tutela coletiva. Porém, quase nada foi feito para despertar o “sujeito de direito” que existe em cada um de nós, ainda adormecido pela acomodação, conformismo ou ignorância. E isso só é possível com o fomento à Educação em Direitos Humanos.
Como pesquisador do Laboratório de Direitos Humanos/UFAL, coordenei uma enquete sobre o conteúdo programático das disciplinas ofertadas no ensino fundamental e médio. Queria saber se os alunos tinham tido algum tipo de atividade pedagógica que estimulasse a leitura, a compreensão ou o conhecimento dos direitos e garantias previstos em nossa Constituição Federal. Quase a totalidade dos entrevistados, estudantes universitários, responderam que não. A temática só começa a ser abordada no ensino superior, mesmo assim na área das ciências sociais. O ensino brasileiro está mais voltado para o mercado de trabalho do que para a formação de cidadãos plenos e comprometidos com a coletividade. Dessa forma, os alunos ingressam nas universidades completamente despreparados para lutar por suas prerrogativas individuais e coletivas. E não para por aí. O déficit educacional também está presente nas corporações militares, na polícia judiciária, nos meios educacionais e em alguns setores do Ministério Público e do Judiciário.
Por essa razão, o despertar do sujeito de direito passa pela educação crítica, dialética e comprometida com a valorização da pessoa humana em todas as suas dimensões. Essa é a missão da Educação em Direitos Humanos: formar cidadãos ativos e conscientes de seu papel na sociedade.
A Educação em Direitos Humanos é “a prática educativa que se baseia no reconhecimento, defesa, respeito e promoção dos direitos humanos e que tem como objeto desenvolver nos indivíduos e nos povos as suas máximas capacidades como sujeitos de direitos, assegurando-lhes as ferramentas necessárias para fazê-los efetivos[2]”. Trata-se de uma pedagogia que se desenvolve em dois eixos: 1º) a difusão dos direitos fundamentais (liberdades públicas, direitos políticos, direitos econômicos, sociais e culturais etc.; (2º) a difusão das garantias constitucionais que possibilitam a efetividade de tais direitos na realidade social (ações constitucionais, procedimentos administrativos e processuais etc.).
A ONU define EDH como o conjunto de atividades de aprendizagem, ensino, formação e informação, destinadas a criar uma cultura universal de direitos humanos com a finalidade de (a) fortalecer o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; (b) desenvolver plenamente a personalidade humana e o sentido da dignidade do ser humano; (c) promover a compreensão, a tolerância, a igualdade entre gêneros e a amizade entre todas as nações, povos indígenas e minorias; (d) facilitar a participação efetiva de todas as pessoas em uma sociedade livre e democrática em que impere o Estado de Direito; (e) fomentar e manter a paz; (f) promover o desenvolvimento sustentável centrado nas pessoas e na justiça social[3].
Embora a Educação em Direitos Humanos tenha vocação universal, devendo abranger a totalidade dos cidadãos, a prioridade brasileira são as camadas mais pobres da população, historicamente as maiores vítimas do analfabetismo, da violência policial, do abuso de poder, dos serviços públicos de péssima qualidade, da injusta distribuição de renda, da exclusão social. A pedagogia será mais eficiente na medida em que atingir os grupos mais vulneráveis, sobretudo as minorias obrigadas a conviver com a intolerância e o preconceito étnico, sexual, religioso ou econômico.

2. SUPRAESTATALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

A Educação em Direitos Humanos é uma prática recente na tradição latino-americana. É consequência da queda das ditaduras militares no final da década de 1970 e do processo de redemocratização dos países da América do Sul e Caribe. Teve como grande inspirador o sociólogo e educador brasileiro Paulo Freire, criador da Pedagogia do Oprimido.
A sua origem está ligada ao trabalho desenvolvido por organizações não governamentais interessadas em conscientizar as camadas populares sobre a importância das liberdades fundamentais proclamadas nos tratados internacionais. Durante os regimes ditatoriais, as entidades concentravam seus esforços na denuncia das violações aos direitos humanos – assassinatos, desaparecimentos, despejos forçados, tortura. Com o processo de democratização, passaram a investir na educação popular. Na década de 1980, muitas das ações foram apoiadas e financiadas pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH), que – nos anos que se seguiram – exerceu grande protagonismo no sentido de incorporar o conteúdo de direitos humanos à educação formal e não formal.
Em 1999, o IIDH, sediado na Costa Rica, decidiu promover ações articuladas para a implementação da Educação em Direitos Humanos de forma mais ampla e democrática.  A iniciativa, coordenada pelo chileno Abraham Magendzo, contou com a participação de diversos países, inclusive o Brasil. Posteriormente, em novembro de 1999, convocou um Seminário em Lima para discutir o tema com mais profundidade. Na capital peruana, os pesquisadores debateram exaustivamente os principais problemas e desafios. Foram estabelecidas diretrizes para as atividades educativas a serem executadas, em nível regional, a partir de 2000.
A ideia era estimular o caráter transversal dos direitos humanos nos currículos escolares, espraiando-se por todas as disciplinas mediante estratégias educacionais dirigidas à formação política dos alunos. A educação popular reforçaria valores constitucionais como a liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social, entre outros. Também introduziria nas salas de aula temas contemporâneos controvertidos: minorias, gênero, memória, propriedade privada, tortura, partidos políticos, meio ambiente, patrimônio cultural etc.
Paralelamente, a ONU manifestou grande interesse em promover ações educativas de grande amplitude visando ao fortalecimento da cidadania. Em 1993, a Declaração de Viena, editada pela Conferência Mundial de Direitos Humanos, estabeleceu que “a educação, a capacitação e a informação pública em direitos humanos são indispensáveis para estabelecer e promover relações estáveis e harmoniosas entre as comunidades e para fomentar a formação mútua, a tolerância e a paz”.
As Nações Unidas fixaram a Década das Nações Unidas para a Educação em Direitos Humanos no período compreendido entre 1º  de janeiro de 1995 a 31 de dezembro de 2004. Em 10 de dezembro de 2004, A Assembleia Geral das Nações Unidas criou o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos, cuja missão foi a de contribuir em escala mundial para o “desenvolvimento de uma cultura em direitos humanos”. A primeira etapa daria prioridade à educação primária e secundária; a segunda etapa concentraria seus esforços na educação universitária.

As atividades previstas no Programa tinham como objetivos centrais:

(a)    promover a interdependência, a indivisibilidade e a universalidade dos direitos humanos, inclusive dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, bem como o direito ao desenvolvimento;

(b)    fomentar o respeito e a valorização das diferenças, bem como a oposição à discriminação por motivos de raça, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra índole, bem como origem nacional, étnica ou social, condição física ou mental, ou por outros motivos;

(c)    encorajar a análise de problemas crônicos e incipientes em matéria de direitos humanos, em particular a pobreza, os conflitos violentos e a discriminação, para encontrar soluções compatíveis com as normas relativas aos direitos humanos;

(d)    atribuir às comunidades e às pessoas os meios necessários para determinar suas necessidades em matéria de direitos humanos e assegurar sua satisfação;

(e)    inspirar-se nos princípios de direitos humanos consagrados nos diferentes contextos culturais e levar em conta os acontecimentos históricos e sociais de cada país;

(f)     fomentar os conhecimentos sobre instrumentos e  mecanismos para a proteção dos direitos humanos e a capacidade de aplicá-los nos âmbitos mundial, local, nacional e regional;

(g)    utilizar métodos pedagógicos participativos que incluam conhecimentos, análises críticas e técnicas para promover os direitos humanos;

(h)    fomentar ambientes de aprendizado e ensino sem temores nem carências, que estimulem a participação, o gozo dos direitos humanos e o desenvolvimento pleno da personalidade/individualidade humana;

(i)      ter relevância na vida cotidiana das pessoas, engajando-as no diálogo sobre maneiras e formas de transformar os direitos humanos, de expressão abstrata das normas, na realidade das condições sociais, econômicas, culturais e políticas[4].

Em 30 de setembro de 2010, o Conselho de Direitos Humanos da ONU editou um plano de ação para a segunda fase do Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (2010-2014). Houve significativa ampliação dos objetivos originais. Além do ensino superior, as ações destinam-se à formação de funcionários públicos – policiais civis e militares, agentes penitenciários, professores da rede pública, serventuários de justiça, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Dessa forma, os direitos humanos passam a ser incorporados, ainda que de forma transversal, ao conteúdo disciplinar de todos os cursos, métodos de aprendizagem, atividades de ensino, extensão e pesquisa. O mesmo deve acontecer na formação profissional do magistério e do funcionalismo público, a fim de vincular as atividades administrativas à observância dos direitos fundamentais.
A orientação das Nações Unidas consiste na ampla difusão dos direitos e garantias fundamentais a partir de modelos educacionais destinados à construção da cidadania democrática, baseada na cultura de valores, no reconhecimento da condição de sujeito de direitos e na dignidade da pessoa humana.

3. A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A Constituição de 1988 foi o marco normativo da Educação em Direitos Humanos no Brasil. O país, ainda traumatizado com os anos de ditadura militar, convocara uma Assembleia Constituinte para redesenhar o modelo de Estado, agora sob o formato de Estado Constitucional de Direito. Pela primeira vez em nossa história o texto constitucional positivou de forma objetiva os direitos sociais como prestações positivas a serem asseguradas universalmente a todos, mediante políticas públicas, programas sociais, ações afirmativas. Entre os direitos definidos no art. 6º da CF, a educação ostenta o primeiro lugar, seguido da saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.
E não parou por aí. Entre os artigos 205 a 214, a Constituição Federal disciplina largamente o direito à Educação no Brasil. O texto constitucional estabelece que ela é um dever do Estado e da família, tendo como linhas mestras o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
A Educação em Direitos Humanos é um instrumento eficaz para a promoção da efetividade desse importante direito social, sobretudo no que concerne à formação para o exercício da cidadania. Tanto é assim que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabelece em seu art. 2º as mesmas finalidades estatuídas pela Constituição Federal. O atual Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), lançado em 21 de dezembro de 2009 (Decreto n, 7037)[5] , reafirma as finalidades da Educação e Cultura para os direitos humanos: formação de nova mentalidade coletiva para o exercício da solidariedade, respeito às diversidades e tolerância. Nesse sentido, deve promover a formação do sujeito de direitos, além de combater o preconceito, a discriminação e violência, requisitos para uma sociedade igualitária, libertária e justa.
Em 2003, o Governo Federal criou o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (Decreto Ministerial n. 98/2003), formado por especialistas, membros da sociedade civil, representantes de instituições públicas e privadas, além de organismos internacionais, cujo desafio era apresentar a primeira versão do Plano Nacional de Educação e Direitos Humanos (PNEDH). O documento foi exaustivamente debatido em processo de consulta por cerca de cinco mil pessoas, de todos os Estados do país. A versão final só foi concluída em 2006, após consulta pública via internet.
A principal ambição do PNEDH consiste em difundir nacionalmente a cultura dos direitos humanos, mediante a propagação de valores solidários, cooperativos e de justiça social. Para isso prevê ações concretas nos seguintes setores: educação básica, educação superior, educação dos profissionais dos sistemas de justiça e segurança e profissionais dos meios de comunicação.
O PNEDH considera a Educação em Direitos Humanos um processo sistemático e multimensional, que orienta a formação do sujeito de direitos, nos seguintes níveis, verbis:
a)     apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e sua relação com os contextos internacional, nacional e local;
b)     afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressam a cultura em direitos humanos em todos os espaços da sociedade;
c)     formação de uma consciência cidadã capaz de fazer-se presente nos âmbitos cognitivo, social, ético e político;
d)     desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagem e materiais didáticos contextualizados, e,
e)     fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, proteção e defesa dos direitos humanos, assim como a reparação das violações sofridas[6].

Em síntese, a Educação em Direitos Humanos fundamenta-se na Constituição Federal, como mecanismo de efetivação do direito fundamental à educação. Também encontra sustentação na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no PNDH-3, que lhe consagrou espaço generoso em seu texto. As ações pedagógicas gerais estão previstas no Plano Nacional em Educação em Direitos Humanos. A competência para a sua implementação não é exclusiva da União Federal, mas envolve também medidas a serem adotadas por todos os entes federativos, organizações não governamentais, instituições públicas e privadas. Por fim, a iniciativas possuem ampla abrangência, atingindo os mais diversos seguimentos da sociedade civil, no âmbito da educação formal, não formal, profissionalizante, formação de funcionários públicos, profissionais da imprensa e formadores de opinião.

4. OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

A Educação em Direitos humanos é a ferramenta mais poderosa para fortalecer a cidadania, combater o arbítrio, a intolerância e o preconceito. Daí a necessidade de estratégias para a formação de educadores especializados, isto é, “pessoas que projetam, desenvolvem, implementam e avaliam atividades em direitos humanos e programas de ensino em contextos de educação formal, informal e não formal” (ONU – Plano de Ação – 2ª Fase)”. Essa função não é privativa de docentes com formação universitária; também pode ser exercida por ativistas, ONG’s, sindicatos, partidos políticos – enfim, em todos os setores da sociedade civil comprometidos com a democracia e com os direitos fundamentais.
A pauta é vastíssima. Sua abordagem é essencialmente multidisciplinar, interdisciplinar e multidimensional. Implica o debate sobre o conhecimento e compreensão dos direitos humanos: universalidade, indivisibilidade, interdependência e mecanismos nacionais e internacionais de proteção. Abrange ainda reflexões sobre temas cotidianos como o assedio moral, pedofilia, homofobia, tráfico de entorpecentes, pobreza, desigualdade social, reforma agrária, formatação da família, trabalho infantil, doenças sexualmente transmissíveis e violência doméstica.
Os principais desafios da Educação em Direitos Humanos são: (a) a construção do sujeito de direitos; (b) promoção do processo de empoderamento; (c) memória: “educar para o nunca mais” e (d) socialização dos valores e princípios constitucionais.
A concepção de sujeito de direitos tem suas origens no positivismo e traduz a capacidade inerente a toda pessoa humana de ser titular da “vantagem” assegurada pela norma jurídica. Ao nascerem com vida, todos os seres humanos assumem essa condição, podendo exigir do Estado e de particulares uma infinidade de pretensões, ações, exceções. Os direitos humanos são universais e beneficiam aos sujeitos de direitos independentemente de nacionalidade, idade, raça, convicções religiosas, filosóficas ou políticas.
O problema é que nem todos têm consciência disso. As desigualdades sociais, a educação deficitária, a exclusão social, os serviços públicos de baixa qualidade, a repressão policial, tudo impede o desenvolvimento dos processos de conscientização popular para a formação de cidadãos participativos e ciosos de suas prerrogativas constitucionais. Daí porque o grande desafio da Educação em Direitos Humanos é a formação de sujeitos de direitos. Cabe a ela promover o “despertar” para a nova realidade, através de ações como conhecer, promover e defender.
O sujeito de direitos é a pessoa que conhece os principais tratados internacionais e o catálogo de direitos fundamentais contidos na Constituição de seu país. Sobretudo os direitos de liberdade (expressão, circulação, comunicação, religião, devido processo legal...), as garantias processuais (habeas corpus, mandado de segurança, ação popular, habeas data...), os direitos sociais, econômicos e culturais (educação, saúde, moradia, segurança, proteção aos necessitados, bens imateriais...) e os direitos de solidariedade (meio ambiente, patrimônio cultural, consumidor, crianças, adolescentes e idosos). Estabelece interlocução com instituições democráticas como o Ministério Público, Procons, Poder Judiciário, Poder Executivo, OAB, Defensoria Pública, meios de comunicação etc., conhecendo os procedimentos para encaminhar representações, abaixo-assinados, denúncias, audiências públicas, mediações.
Também tem o compromisso de promover os direitos humanos em ampla escala social, colocando seus conhecimentos à disposição da coletividade a que pertence. Participa ativamente de ações educativas, debates, movimentos populares, organizações associativas e sindicais. Sua missão consiste, ainda, em multiplicar os sujeitos de direitos e fortalecer a cidadania, utilizando a palavra e métodos pedagógicos como principais armas em defesa da dignidade da pessoa humana. Isto significa que deve estar habilitado para produzir um discurso jurídico coerente e racional para exigir a correta aplicação das normas jurídicas asseguradoras de direitos fundamentais.
Há também a dimensão do ativismo. Ele está legitimado para defender os direitos humanos contra o arbítrio e a opressão.  Para Abraham Magendzo, “o sujeito de direito tem a capacidade de defender e exigir o cumprimento dos seus direitos e os de terceiros com argumentos fundamentados e informados, com um discurso assertivo, articulado e racionalmente convincente. Faz uso do poder da palavra e não da força, porque o seu interesse é a persuasão e não a submissão[7]”.
Já a promoção do processo de empoderamento exige uma metodologia voltada para a transformação interior dos sujeitos de direito, levando-os a, verdadeiramente, assumir a sua condição de cidadãos ativos. Exige uma pedagogia libertadora, que deve envolver as vítimas de violações aos direitos humanos, as vozes silenciadas e as expectativas frustradas. Sobretudo os grupos que historicamente sempre estiveram em condição de grande vulnerabilidade – mulheres, negros, homossexuais, empregadas domésticas, trabalhadores rurais, desempregados etc. O educador popular tem a missão de despertar as energias represadas dos oprimidos para que assumam o papel de protagonistas de suas vidas e participem ativamente das instâncias de deliberação coletiva. Exige o permanente combate à passividade, ao conformismo, à baixa autoestima, à indiferença. Aspira a completa e definitiva emancipação do sujeito de direito. Por essa razão afirma Vera Lucia Candau que “o empoderamento começa por liberar a possibilidade, o poder, a potência que cada pessoa tem para que seja sujeito de sua própria vida[8]”. Os cidadãos são verdadeiramente convocados para assumir a tarefa de tornar exigíveis e efetivos os direitos humanos, mediante o uso da argumentação e do diálogo[9]. A partir daí nascerá o verdadeiro sujeito de direitos.
O processo educacional também deve estar comprometido com a memória: o educar para o “nunca mais”. Sob essa perspectiva teórica, os educadores devem insistir na memória de fatos históricos que implicaram violações aos direitos humanos e na negação da democracia, a exemplo dos regimes de exceção, da repressão política, das mortes e desaparecimento de opositores. A estratégia consiste em transmitir às novas gerações a “ética da atenção”, que permite repudiar os atos cotidianos que reproduzam as crueldades do passado. A prática do “nunca mais” estabelece o compromisso com a luta contra a impunidade, a censura, a tortura, o medo e a negação das liberdades fundamentais.
O constitucionalismo brasileiro tem passado por profundas transformações desde a promulgação da Constituição de 1988. Entre os avanços mais expressivos está o reconhecimento da força normativa dos valores e princípios positivados em seu texto. A dignidade da pessoa humana foi elevada à condição de metavalor, que se exterioriza axiologicamente através da igualdade, liberdade e solidariedade. O preâmbulo da Carta também enumera a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Por outro lado, os direitos fundamentais integram uma ordem de valores e princípios detentores de aplicabilidade imediata e força vinculante em relação aos poderes ao Executivo, Legislativo e Judiciário. Além disso, a judicialização da política deslocou para o Judiciário o debate sobre a implementação das políticas públicas e da efetividade dos direitos sociais. Nesse contexto, a socialização dos valores e princípios constitucionais favorecerá nacionalmente a difusão da cultura em direitos humanos, formando sujeitos de direitos críticos, conscientes de suas prerrogativas constitucionais e imbuídos na luta pela efetividade da Constituição.

PARA CONCLUIR: APREENSÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Em 1975, o jurista alemão Peter Härbele desenvolveu, com muito sucesso, o paradigma da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição. A ideia central estava em que a interpretação constitucional não era um conhecimento público do Direito, uma exclusividade de seus operadores, monopólio dos tribunais. Ao contrário, todos os cidadãos deveriam ser convocados para a tarefa. Härbele queria estender a ação interpretativa dos direitos humanos para todos os setores da sociedade civil, para os cidadãos, para os sindicatos, para os estudantes, para as organizações não governamentais, para os grupos vulneráveis. Suas ideias tiveram grande repercussão no Brasil, influenciando a instituição do amicus curiae[10] – etimologicamente, amigo da Corte, legitimado para a intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade, podendo manifestar-se sobre as questões de direito e contribuir, em nome de setores da sociedade civil, para a solução da controvérsia, sem assumir a condição de parte da ação. Também sob sua influência, foram instituídas audiências públicas convocadas pelo STF para ouvir a opinião pública a respeito de temas controvertidos, como a bioética e a aplicação de determinados direitos sociais.
Para Härbele, a Constituição reflete um conjunto de valores fundamentais que têm na dignidade humana a sua principal justificação Sustenta que o sucesso do paradigma da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição passa, necessariamente, pela Educação em Direitos Humanos. Ele ensina que

O paradigma da sociedade aberta dos intérpretes constitucionais deveria ser objeto da pedagogia. Em outras palavras, os direitos humanos já deveriam ser aprendidos na escola como objetivos da educação, como foi proposto antes pelas Constituições do Peru e da Guatemala. Na Argentina, a juventude deveria ser incentivada desde cedo a participar dos processos de criação e interpretação do Direito por meio de petições e discussões. Em 1974, numa conferência em Berlim, me animei a formular a seguinte hipótese: das escolas dependem a teoria constitucional que possamos desenvolver no futuro[11].

A Carta de 1988 está impregnada de postulados neoconstitucionalistas que se irradiam para todos os ramos do Direito. Os direitos fundamentais estão na centralidade do ordenamento jurídico vinculando e dirigindo as instituições estatais e a conduta de particulares. O discurso jurídico é construído a partir de uma retórica baseada em princípios regras e valores constitucionais, concebida com o intuito de desenvolver hermenêutica concretizadora dos direitos humanos, sobretudo em casos que versam sobre o déficit de direitos sociais. Cada vez mais o Judiciário brasileiro tem aplicado os tratados internacionais de direitos humanos no julgamento de casos concretos. Este cenário exige maior presença de cidadãos ativos, dispostos a protagonizar as mudanças por que passa o Estado Constitucional de Direito no Brasil.
Os cursos jurídicos têm grande responsabilidade na tarefa pedagógica. Acreditamos que as atividades de ensino, pesquisa e extensão universitária, no âmbito da graduação e da pós-graduação, devem-se voltar para o despertar do sujeito de direitos, para a memória e para a socialização dos valores e princípios constitucionais. Os direitos humanos fundamentais não pode ser apenas uma disciplina acadêmica, vinculada ao Direito Constitucional. Seu vasto conteúdo programático deve se capilarizar para as demais disciplinas, sempre na perspectiva crítica e multidimensional.
Sob que ótica deve ser ofertada a Educação em Direitos Humanos no Brasil? Defendemos o viés garantista, nos termos propostos por Luigi Ferrajoli. Trata-se de doutrina baseada em postulados como o reconhecimento, respeito e defesa dos direitos fundamentais, no construção de garantias processuais capazes de proteger o indivíduo contra o arbítrio estatal, na imposição de limites à atuação do Estado a fim de permitir o livre desenvolvimento da personalidade humana, no que tange à integridade física, psíquica e moral. Reproduz o discurso contra todas as formas de despotismo, repudiando práticas tirânicas, totalitárias, ditatoriais, barreiras segregativas e os tratamentos desiguais.
Esse modelo só funciona quando o Estado Constitucional de Direito vive a normalidade democrática, a partir de uma Constituição legítima, com a plena separação e independência dos poderes, prevalência da legalidade, estabilidade política, combate à corrupção e eficiente jurisdição constitucional. É nessa ambiência, e apenas nela, que os direitos fundamentais podem sem vivenciados por todos, sem qualquer distinção arbitrária.
O Estado sancionador exerce o monopólio do ius puniendi. Aplica sanções penais e administrativas. A tutela individual consiste no pleno respeito ao devido processo legal, com todas as garantias que lhe são inerentes: ampla defesa, contraditório, assistência de um advogado, duplo grau de jurisdição, presunção de inocência, duração razoável do processo. O sujeito de direitos deve internalizar esses conceitos, conhecendo as garantias constitucionais necessárias para se proteger do abuso de poder, da tortura e dos tratamentos desumanos e degradantes.
A repressão à criminalidade exige um equilíbrio entre os meios utilizados as finalidades almejadas pelo Estado. O princípio da proporcionalidade e o devido processo legal são escudos protetores contra as investidas despóticas do aparato policial.
A Educação em Direitos Humanos deve, por fim, conscientizar os cidadãos de sua condição de “credores” das prestações estatais positivas contidas na Constituição Federal. Ao lado das liberdades públicas, os direitos sociais exercem importante papel no empoderamento das práticas que envolvem a igualdade de pontos de partida e o bem-estar da coletividade. Isso os fará exigir serviços públicos de boa qualidade, políticas sociais destinadas a grupos mais vulneráveis, a diminuição das desigualdades sociais e regionais, a proteção do patrimônio público. Também os capacitará a exigir a satisfação do mínimo existencial, a progressividade dos direitos econômicos, sociais e culturais. O  resultado será um verdadeiro ativismo popular em defesa da solidariedade, o que implica o fortalecimento do sentimento de pertença que o impulsionará à tutela dos interesses difusos e coletivos da sociedade.
No famoso discurso proferido em homenagem os primeiros heróis mortos na Guerra do Peloponeso em 430 a.C, considerado o mais importante da Antiguidade, Péricles afirmou que “consideramos o cidadão que se mostra estranho ou indiferente à política, não como um amigo do repouso, mas como um ente inútil à sociedade e à República[12]”. O líder ateniense era partidário da cidadania ativa, participativa, questionadora. Mas abominava a neutralidade dos concidadãos que mantinham uma postura de neutralidade, a fim de preservar os seus bens materiais e a tranquilidade no lar. Esses eram condenados ao ostracismo, transformavam-se em párias, desprovidos do direito de cidade.
A construção da cultura em direitos humanos no Brasil está condicionada à existência de um modelo educacional voltado para a formação de cidadãos ativos, aptos a defender os interesses individuais e coletivos, posicionar-se politicamente diante dos desafios e manusearem os instrumentos de democracia participativa. Cidadãos que se reconheçam como sujeitos de direito e se disponham a lutar por eles, elevando a sua voz em defesa da liberdade, igualdade, solidariedade e democracia. Enfim, cidadãos que conheçam, leiam e interpretem a Constituição de seu país, avivando a memória para o “nunca mais” e lutando pela efetividade dos direitos fundamentais. Só assim o projeto de Educação em Direitos Humanos surtirá os efeitos esperados pelo povo brasileiro.


[1] Pesquisa divulgada em 6 de dezembro de 2012.
[2] MAGENDZO, Abraham. Educación en derechos humanos – un desafío para los docentes de hoy. Santiago: LOM Ediciones, 2006, p. 23.
[3] ONU. Conselho de Direitos Humanos. Projeto de Plano de Ação para a segunda etapa (2010-2014) do Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos, p. 5. Disponível em http://www.unesco.org .
[4]ONU. Conselho de Direitos Humanos. Projeto de Plano de Ação para a segunda etapa (2010-2014) do Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos, p. 6. Disponível em http://www.unesco.org .
[5] Em 1996, o Governo Brasileiro criou o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-1), instituído pelo Decreto 1.904/96 (que terminou sendo revogado pelo Decreto n. 4229/02). O PNHH-2 foi criado em 2002, sob a coordenação Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Governo Fernando Henrique Cardoso. Ambos foram substituído pelo PNDH-3, ora aplicado no Brasil.
[6] Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos/Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (versão em língua espanhola). Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2008, p. 25.
[7] MAGENDZO, Abraham. Educación en derechos humanos – un desafío para los docentes de hoy. Santiago: LOM Ediciones, 2006, p. 33.
[8] CANDAU, Vera Maria. Educação em Direitos Humanos: desafios atuais. João Pessoa: EDUFPB, p. 404.
[9] MAGENDZO, Abraham. Educación en derechos humanos – un desafío para los docentes de hoy. Santiago: LOM Ediciones, 2006, p. 27.

[10] Cf. art. 23, § 1º, da Resolução n. 390/2004 do Conselho da Justiça Federal e Lei n. 9.868/1999, que regula o procedimento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade ( art. 7º, § 2º).
[11] Consultor Jurídico. Cultura e direito. Entrevista a Peter Härbele a Gustavo Ferreyra, disponível em http://www.conjur.com.br/2010-fev-13/entrevista-peter-haberle-constitucionalista-alemao. Acesso em 7 de dezembro de 2012.
[12] Sodré, Hélio. História Universal da Eloquência. Petrópolis: Catedral das Letras, p. 71.